HE-MAN E OS MESTRES DO UNIVERSO


Para entendermos melhor a proposta de Mestres do Universo (1983), é importante conhecer a animação pioneira nessa linhagem: O Poderoso Mighton (1967), dos estúdios Hanna-Barbera. Ambientando a narrativa em um cenário pré-histórico, apresentava-se a saga do jovem Tor, imerso em uma atmosfera selvagem, tétrica e perigosa. O diferencial de Tor estava em sua clava mágica, que, em momentos de tensão, era erguida e o transformava no guerreiro Mighton. Tog, seu dinossauro de estimação, igualmente ganhava poderes extraordinários, convertendo-se em um dragão imponente e implacável. A animação dialogava verticalmente com o herói da Marvel - Thor - tendo em vista que o protagonista possuía o mesmo nome do deus nórdico, o capacete córneo semelhante ao utilizado pelos vikingns e a clava como alusão ao martelo do folclore escandinavo. A máscara explicitava uma relação dialógica com Space Ghost e Batman, já reconhecidos na ocasião e com visual bastante similar. No fluxo de animações de 1960, O Poderoso Mighton erigia o enredo em um passado distante, indeterminado, mítico, povoado por criaturas pré-históricas e, simultaneamente, monstros apocalípticos.

Em 1980, Thundarr, O Bárbaro, da Euby Spears, emplacaria uma proposta não muito diferente, lançando mão do elemento futurista à moda de Mad Max[1] (1979). Se O Poderoso Mighton concentrava a ação em uma pré-história mítica, Thundarr, o Bárbaro explorava um futuro distante, catastrófico e enigmático. Thundarr era um guerreiro que, munido de uma espada de energia, empenhava-se em salvar a humanidade de monstros, mercenário e entidades soturnas. Para tanto, contava com a jovem Ariel, dotada de poderes sobrenaturais, e Ukla, uma fera semelhante ao Chewbacca de Guerra nas Estrelas. As referências intertextuais às produções culturais da época são múltiplas. Do citado Guerra nas Estrelas, ressaltava-se o sabre de luz utilizado pelo protagonista em sangrentas batalhas. De Mad Max, observava-se a representação futurista do planeta Terra enquanto espaço desolado e deprimente. Dos quadrinhos de Conan, acentuava-se a performance errante do herói, solidário à condição de bárbaro. Das lendas, apropriava-se de bruxos e lobisomens. Da mitologia, fazia alusão aos ciclopes e a Argos Panoptes, o colosso de mil olhos. Do filme O Planeta dos Macacos (1969), intercalava o vale de homens símios.

Três anos depois, estrearia a série que mesclaria elementos de O Poderoso Mighton a Thundarr, o Bárbaro. Do primeiro título, incorporaria todo o ritual latente na metamorfose que transformaria Tor em Mightor. Do segundo título, faria uso do visual da protagonista – corte de cabelo e vestimentas – bem como da espada mágica, da presença de gênios protetores e de signos da ficção científica. Tratava-se da animação He-Man e os Mestres do Universo (1983), um dos maiores sucessos do mercado norte-americano e da história da Filmation.

Do mesmo modo que Superman, Batman e O Homem-Aranha, He-Man também possuía dupla identidade, exibindo-se ora na pele do reservado príncipe Adam, ora como o homem mais forte das galáxias. Em posição análoga aos heróis dos quadrinhos e da mitologia, ele estava sempre a serviço de sua comunidade, caracterizada aqui como a população do reino de Etérnia. Além disso, sua missão era também a de proteger o misterioso Castelo de Grayskull, cujos poderes obscuros incitavam a cobiça do antagonista Esqueleto.

A série envolvia criaturas que reportavam ao imaginário medieval, abarrotado de duendes, bestas e objetos mágicos, impressos na construção de uma galeria criativa de vilões, como Maligna, Aquático e o Homem-Fera. Recorria igualmente às figuras da mitologia grega, cabendo aqui citar as personagens Triclope, em referência aos gigantes de um olho só, e Teela, cujos traços e agilidade reportavam às amazonas. Na mesma proporção, acrescentavam aspectos futuristas ao enredo, identificados no maquinário desenvolvido pelo sábio Mentor e na construção visual do antagonista Mandíbula, criatura híbrida que carregava expressão humana e traços de um andróide.

A animação He-Man e os Mestres do Universo abusava da intertextualidade. A espada mágica caracterizava, com sucesso, as referências às Novelas de Cavalaria, impondo-se como um signo que reportava ao rei Arthur e, sobretudo, à lendária Excalibur. A condição de herói com força extraordinária encarnava o mito do semideus Hércules e do intrépido Beowulf. He-Man era igualmente marcado por provações e desafios em meio a monstros, feiticeiros e criaturas que pareciam ter saído diretamente das páginas de Tolkien.   

O rentável sucesso de He-Man e dos demais defensores do universo possibilitou com que fosse engendrada, dois anos depois, sua irmã gêmea She-Ra. A fórmula administrada era basicamente a mesma. Mesclando, mais uma vez, a atmosfera futurista associada a signos medievais, promovia-se uma heroína que lutava para libertar seu mundo da ameaça representada pelo inimigo Hordak. Nessa linha, o espaço palaciano de Etérnia, de He-Man, era substituído por Ethérea, pouco alterando do mundo de superstições e vassalagem. O duende Gorpo, responsável pela comicidade, cedia a tribuna para o Corujito. O antagonista Esqueleto era recriado na imagem de Hordak, que, inclusive, preservava em seu figurino uma coroa de ossos em referência ao vilão que o antecedia. A seqüência de transformação de Adora em She-Ra, tendo como fundo o Castelo de Grayskull, era similar à que convertia Adam no homem mais forte do universo. O fundo moralizante, explícito no desfecho de cada episódio, mantinha-se, do mesmo modo que se preservavam as nuances maniqueístas.

O sucesso também rendeu uma revista mensal em quadrinhos, em 1986, pela Editora Abril, e um filme, em 1987, estrelado por Dolph Lundgren, Todavia, não obtiveram o mesmo êxito arrebatador da animação.  

Conscientes do filão de mercado que representava a epopeia dos desenhos em questão, novos estúdios passaram a investir em produções partidárias da mesma estrutura, como apontavam Caverna do Dragão (1983), Thundarcats (1985) e, principalmente, Visionários (1987).

Fernando Luigi

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[1] O filme de George Miller apresenta uma Austrália distópica, deteriorada, formada por uma sociedade brutal, decadente e desintegrada.

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